sábado, 14 de maio de 2011

Elaboração Litúrgica'


Ordem Psicológica do Culto*
(O desenvolvimento racional na adoração)

01 - Consciência da presença de Deus: Chamada à Adoração.

O crente, para que o culto seja verdadeiro e ele se integre realmente como adorador em espírito e em verdade, tem de tomar “consciência” de que está frente a frente com Deus numa “audiência” profunda e permanente. Diante de Deus o servo que não se humilha é desrespeitoso e irreverente.

O primeiro gesto do súdito diante de seu rei era a inflexão. Também assim deve nossa postura na presença de nosso Rei, que não é acidental, mas permanente.
O início do culto público deve possibilitar a “consciência da presença de Deus” na comunidade e “chamá-la à adoração”.

02 - Visão da glória de Deus: Exaltação.

A consciência da presença de Deus possibilita a “visão de sua glória”. Não lhe visualiza a glória, não lhe reconhece a majestade quem não tem consciência de sua presença real como Criador, Salvador, objeto e sujeito do culto. O culto é como uma transfiguração, tendo Cristo no centro, os profetas e Moisés como testemunhas históricas e revelacionais, e os adoradores perplexos com o inusitado da gloriosa companhia da Trindade.

O adorador que não toma consciência da majestosa grandeza de Deus, da incrível diferença entre o humano e o divino confrontados no tempo e no espaço litúrgicos, da indescritível santidade de seu Salvador, não está preparado para reconhecer-se pecador, indigno, mortal e relativamente desprezível.

03 – Confissão, Intercessão e Súplica:

Diante da santíssima pessoa de Cristo, objetivamente presente, segundo a promessa, (“Eis que estou convosco”), e o testemunho interno do Espírito Santo, o crente se vê na presença de Deus Pai, Todo Poderoso, de roupa suja, não preparado para festa. Olha para dentro de si mesmo e se descobre pecador, indigno de estar diante do Salvador. Esta “descoberta”, obra do Espírito Santo, leva-o a prostrar-se aos pés do Redentor em humilde confissão de seus pecados, delitos e culpas.

Como já dissemos, sem confissão, no culto vetotestamentário, não havia a oferta do animal sacrificial substituto. O pecado era antes confessado sobre a vítima para então oferecê-la em sacrifício por intermediação sacerdotal. Assim ocorre no culto da dispensação da graça: Quem se confessa a Cristo e se humilha perante sua imaculada pessoa, certamente receberá o perdão.

04 - Perdão: Declaração de Perdão.

Após a oferenda do sacrifício havia o conseqüente perdão. O ofertante sabia que seus pecados confessados haviam sido expiados na morte e queima da vítima. Aliviava-se e se considerava mais digno perante o Redentor. Não é diferente na Igreja de Cristo. Ela nos chama ao arrependimento e, arrependidos, confessamos-lhe os pecados e dele recebemos o perdão. No fundo da alma o crente sabe que seus pecados foram perdoados e ele conservado na comunhão dos remidos sem restrições.

Cristo pode dizer ao seu servo que seus pecados foram perdoados, quando sinceramente confessados, pelo testemunho interno do Espírito Santo ou pela palavra de perdão que ele, o Verbo, fala pelas Escrituras Sagradas. Há pecados individuais e há os coletivos, comunitários. Tanto o indivíduo como a comunidade devem confessar a Deus os seus pecados.

A consciência de perdão, um gostoso alívio, conduz à gratidão, ao reconhecimento de débito, ao agradecimento, à homenagem gozosa prestada ao benfeitor, ao impulso laudatório.

05 – Louvor e Ação de Graças:

O Louvor expressa, em grau elevadíssimo, a gratidão do perdoado ao Perdoador. E isto de maneira espontânea, natural. Aflora de dentro, do íntimo, quase instintivo. Ao coração grato as coisas ficam mais impressivas, mais lindas, mais sugestivas. O mesmo hino, dominicalmente contado, torna-se belíssimo, sublime, sentimental e espiritual nos lábios do crente cujo coração é atingido pelo perdão de Cristo e repleto de gratidão. Neste estado, o fiel canta com a mente, com o coração e com o espírito. A gratidão conduz ao serviço, à dedicação, à consagração.


06 - Dedicação ou Consagração: Ofertório.

A gratidão é a expressão ética do amor. O grato é o que ama e procura demonstrar o seu amor por meio de alguma forma de serviço, de dádiva, de presente. O crente que sai de um culto sem vontade de servir a Cristo, de dedicar-se a ele de corpo e alma, de proclamar a sua existência, sua pessoa, seu ministério e sua deliciosíssima amizade, esteve no culto, mas verdadeiramente dele não participou e, em consequência, não se beneficiou de suas bêncãos santificadoras.

Quem ama quer sempre: Ouvir o amado falar; falar com ele; falar dele; falar a respeito dele em todas as oportunidades. O assunto do crente é o Salvador. Anseia ver todos os seus amigos e parentes gozando as mesmas graças em Cristo Jesus. Seu impulso é interceder junto ao Deus por eles.

07 - Edificação:

Edificar é construir pelo ensino, pelo consolo, pela fraternidade, pelo amor-serviço, pela dedicação, pela compreensão, pelo perdão, pela cooperação, pela sinceridade, pela amizade, pela comunhão, pelo espírito de igualdade, pelo serviço ao próximo, pela consagração a Deus, pela submissão ao Evangelho, pela união com os conservos. Um sermão pregado a uma Igreja não edificada é como voz que clama do deserto. A edificação, pois, inclui a proclamação, mas não se resume nela. Deve ser o momento do Culto em que se serve o banquete para sustento do povo de Deus e fortalecimento, principalmente dos fracos. A Santa Ceia entra no universo cúltico da dedicação. O andamento psicológico conduz o adorador ao clímax, ao estágio litúrgico da instrução, do preparo, da habilitação para as lutas duríssimas na batalha cristã contra o mal do pecado, da mundanidade, da incredulidade.

Dentro desta visão psicológica, o dirigente litúrgico caminhará a trilha natural, cremos, do espírito humano que se coloca em adoração diante de seu Augusto Criador, Salvador e Pai. Nada forçado, nada estereotipado, nada rígido, nada mecanizado. O Culto tem regras e formas: Sigamo-las sem automatizá-las.

O Culto Conforme Isaías 6:1-8

A complementação da revelação sobre culto, no Velho Testamento, encontra-se na visão de Isaías (Isaías 6:1-8). Aqui nos defrontamos com um completo esquema litúrgico, e não é exagero afirmar que, depois das instruções levíticas do Pentateuco, Isaías 6 talvez seja o mais importante texto sobre adoração das Escrituras hebraicas. Observemos o seu conteúdo:

Visão da Majestade Divina (Isaías 6:1-4).

            A verdadeira adoração envolve essa percepção da transcendência de Deus. Sua glória, grandeza, sua santidade... aqui todos os seus atributos são exaltados. É o aspecto contemplativo do culto, em que nossa mente e coração são conduzidos pela leitura da Palavra, cânticos e orações a uma visualização espiritual da pessoa de nosso Criador, Redentor e Juiz. Trata-se sempre de uma experiência de santo deslumbramento diante da beleza e perfeição do Senhor. Reuniões “cristãs” que não produzem esse senso de contato com o Grande e Soberano Deus podem ser chamadas por vários nomes, menos de “cultos”. Cultuar envolve sempre calar-se quebrantado diante daquele que nos elegeu e salvou, de forma incompreensível.

Visão de nossa própria finitude e pecaminosidade (Isaías 6:5).

Cultuar implica em reconhecer o quanto somos pequenos e impuros, carentes do Deus Santo. A Igreja Antiga denomina esse momento do culto de Sanctus. É quando nos dobramos em lamentação porque somos pecadores, porque somos inerentemente poluídos com a corrupção, e entristecemos diariamente ao Espírito Santo que habita em nós. É então que gememos suplicando por misericórdia, anelando pelo dia de nossa redenção, quando seremos plenamente libertos do pecado.

Confissão e recebimento de perdão (Isaías 6:6-7).

No culto Deus age em nosso favor, e ministra a nós conforme a nossa necessidade. Sempre recebemos algo de Deus, ao nos prostrarmos diante dele em adoração autêntica. Assim sendo, apesar de enfatizarmos o culto teocêntrico, temos de reconhecer que as necessidade humanas são atendidas, dentro do princípio do Salmos 37:4 e Mt 6:33: buscando primeiro a Deus, somos abençoados naquilo que precisamos, segundo a sua soberania.

Consagração (Isaías 6:8).

Quem cultua de verdade, está disposto a ouvir o chamado divino, dispondo-se para obedecê-lo com amor e alegria.

Liturgia na Oração Dominical

A Oração Dominical, ensinada e recomendada por nosso Senhor Jesus Cristo, contém profundo conteúdo litúrgico e está formulada em ordem decrescente, partindo da majestade de Deus, entronizado nos céus e terminando com o homem em situação relacional de conflito com o seu semelhante e em estado de fragilidade diante do tentador.   

A doxologia final, “Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém”, foi usada na Igreja primitiva, muitas vezes, como responso comunitário, depois de cada petição. Eis a ordem do superior para o inferior, do Santo e soberano para o pecador incapaz e tentado:

a. Contemplação da glória e da majestade de Deus: “Pai nosso que estás nos céus.”

b. Reconhecimento da santidade de Deus: “Santificado seja o teu nome”. O pecador se confronta com o “Santo” e sente a necessidade de santificar o seu nome.

c. Reconhecimento da existência do reino de Deus: “Venha o teu reino.” A Igreja, reino messiânico presente, suplica a vinda do reino porvir.

d. Reconhecimento do reinado de Deus tanto nos céus como na terra: “Faça-se a tua vontade assim na terra como (é) no céu.” O pecador se inclui nos rol dos que fazem a vontade de Deus. Fazer a vontade de Deus também consiste em servi-lo, e prestar-lhe culto.

e. Reconhecimento da diária providência divina: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.” Aqui também pode ser relacionada, a petição e suplica.

f. Reconhecimento do perdão divino: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores.” Deus tem uma relação de perdão com o redimido para que este tenha a mesma relação com o seu próximo. Consiste em Confissão e Intercessão.

g. Reconhecimento da proteção divina: “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.” Petição e Suplica. Segue a doxologia final. “Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.”

A Oração Dominical é preferencialmente comunitária; litúrgica, portanto. Ela mostra a correta postura do adorador, eleito e redimido por Cristo, diante da majestosa divindade trina: Pai, Filho e Espírito Santo. Os mesmos princípios litúrgicos fundamentais, observáveis nas teofanias e nos cultos sacrificiais do templo, estão, em princípio, na Oração do Senhor na mesma ordem:

a. Contemplação da glória de Deus, o santíssimo.

b. Consciência da presença de Deus.

c. Que a vontade de Deus se realize pelo testemunho e missão de seu povo.

d. Confissão.

e. Consciência do perdão divino. 6- Relações interpessoais de perdão. Convivência comunitária.

f. Enfrentamento do tentador e da tentação.
Pode-se, pois, organizar uma ordem de culto, muito rica e muito bíblica, baseada nos temas peticionais da Oração do Senhor e sua doxologia final.

A Oração do Senhor procura confrontar a criatura com o Criador, o pecador carente de perdão com o Salvador, o desprotegido com o seu protetor. E isto se processa liturgicamente na realidade da comunhão da Igreja e na vida de cada crente. Ela não pode, portanto, ser eliminada sistematicamente da ordem litúrgica. Além de ser uma ordenação de Cristo, é riquíssima em conteúdo e necessária à adoração, assim como a leitura dos dez mandamentos, é a revelação do que Deus exige de nós, além de mostrar o que devemos suplicar a ele.

Termos ainda vários outros textos, que definem uma ordem litúrgica. Contudo todos dirigem a relação do homem com Deus. Estabelecendo o que deve está na mente do adorador durante a adoração pública e solene. Bem como os princípios da vida diária de cada servo de Deus, quer seja sua relação comunitária ou individual. 


Veja Também: Adoração: Um Relacionamento com Deus

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* Extraído e adaptado do artigo sobre culto: “Opusculo II” de Onézio Figueiredo.
' Esse texto passará por uma revisão.

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