A Reforma protestante além de resgatar de forma prática os conceitos principais das Escrituras, também trouxe uma valorização do ser humano em sua totalidade. Essa valorização pode ser percebida nos avanços adquiridos nos países que abraçaram a reforma, neles houve um desenvolvimento considerável em todas as áreas da sociedade.
O cristianismo sempre demonstrou interesse com a promoção da dignidade humana em todas as áreas da vida, principalmente pelo sublime exemplo de serviço altruísta e misericordioso dado pelo próprio Senhor Jesus Cristo.[1] “A ação social reformada não se limita à assistência, ela visa ao homem em sua totalidade ser espiritual e material.”[2]
No século XVI já havia uma predisposição social para a reforma. Entretanto, a reforma protestante foi no inicio mais um movimento de essência religiosa. Contudo, essa reforma religiosa, também provocou uma considerável reforma na sociedade, pois, os reformadores não se calaram, nem ficaram indiferentes diante dos problemas sociais de sua época.[3]
Assim, por seu próprio caráter bíblico, tanto do Antigo Testamento como os ensinamentos de Cristo e dos apóstolos com relação ao próximo, a reforma protestante contribuiu grandemente com uma renovação e progresso social. Dessa maneira, “A reforma ganhou homens de todas as condições, do povo, do campesinato e da burguesia, assim como intelectuais, a nobreza, o baixo e o alto clero, o regular e o secular.”[4]
Logo, a reforma religiosa e a reforma social se exigiam mutuamente, e assim, reforma social e religiosa marcharam lado a lado, andando juntas por muito tempo. Além disso, a pregação reformada também denunciava a exploração dos pobres. Dessa maneira, a reforma conquistou todas as diversificadas camadas da população. Pois, sua influencia ia desde suas ênfases teológicas aos atos, foi assim que as reformas sociais alargaram as reformas religiosas.[5]
Na saúde: houve construções de hospitais como, por exemplo: o Hospital Geral em Genebra, bem como a melhoria de outros ambientes que cuidavam das pessoas, e ainda construções de asilos e orfanatos. “De 1520 a 1525, houve uma nova organização na assistência e desenvolvimento social em Zurique por meio de Zwinglio, ele consagrou um asilo para os indigentes enfermos, e também se organizou a coleta de donativos destinados aos pobres”.[6] Posteriormente, as próprias liturgias dos reformadores continham o momento de ofertórios destinados aos pobres.
Na educação: Os reformadores defenderam uma educação que alcançasse todos habitantes da cidade.[7] Assim um dos grandes interesses de Lutero como de outros de sua época era a educação dos filhos do seu povo, dessa maneira eram organizadas escolas onde existisse uma igreja.[8] Logo, houve a organização e construções de escolas e faculdades, como por exemplo, a Academia de Genebra, que desenvolveu um sistema educacional de primeira ordem, com os melhores professores da época. Os reformadores entendiam que a verdadeira religião e a educação estão inseparavelmente associadas.[9]
Dessa maneira, surgiu em muitos lugares escolas ao lado das igrejas, essa prática continuou por muito tempo, isso é claramente comprovado pela criação de várias universidades influenciadas e organizadas pelos protestantes como, por exemplo: A Universidade de Herborn em Nassau na Holanda; A Universidade de Heidelberg na Alemanhã, considerada uma das melhores do mundo; A Universidade Livre de Amsterdam na Holanda, A Universidade de Princeton, nos Estados Unidos fundada em 1746, também considerada uma das melhores universidade do mundo, bem como, o colégio de Nova Jersey; A famosa Universidade de Harvard foi fundada em 1643 nos Estados Unidos; A Universidade de Yale fundada em 1640, sendo oficializada em 1701. Essa é a universidade americana foi a que mais formou presidentes dos Estados Unidos. No Brasil temos como exemplo a Universidade Mackenzie, sendo um referencial no ensino brasileiro, além de outras instituições menores, espalhadas pelo mundo. Este foi o legado protestante na área do ensino.[10]
Além disso a Reforma Protestante também contribuiu para a redemocratização e melhor consciência do papel do magistrado civil. Houve nesse período a criação de uma assistência semi-estatal para os inválidos, os doentes, e os idosos, além de uma luta contra a imoralidade, bem como a fiscalização dos preços, a venda de alimentos por preço superior ao estipulado era passiva de penas. Desse modo, houve a fixação de preços para se evitar a exploração.[11]
Também foram tomadas medidas referentes à jornada de trabalho, constituindo deste modo a regulamentação do trabalho, bem como a valorização do dia do descanso, (o domingo era totalmente dedicado ao Senhor). A instrução pública se tornou também obrigatória, principalmente em algumas cidades onde chegou a reforma protestante. Assim, foi também proibida a venda de bebidas durante os sermões, bem como à noite a partir das nove horas.[12]
Em 1525 a mendicância chegou a ser proibida em Zurique.[13] Isso foi possível por que várias medidas sociais foram tomadas para que as pessoas saíssem das ruas, dentre elas a geração de empregos, bem como a qualificação profissional, etc. Além disso, houve medidas urgentes para que as pessoas fossem tiradas da rua, para que saíssem das condições deploráveis que viviam sendo reabilitadas à contribuir com a sociedade. Assim de imediato:
“Instalou-se ainda uma rouparia, e todos os dias, diante da igreja dos pregadores, às primeiras horas da manhã, fumegava um caldeirão à disposição de quantos desejassem um prato de sopa... Cada igreja deveria cuidar dos seus pobres, e necessitados. Em cada bairro, um eclesiástico e um leigo, que colhiam informações necessárias sobre os verdadeiros necessitados e coletavam os donativos, sopas populares eram instituídas para os estudantes necessitados. O exemplo de Zurique passou a ser seguido em outras partes à medida que o movimento se estendia.”[14]
Em Genebra houve impulsos de renovação política e social, com interferências religiosas e sociais.[15] Assim além da ênfase na educação e na ação social, Calvino desenvolveu uma nova ética do trabalho, e valorização da vida diária, para ele nenhuma pessoa devia ser privada de trabalhar e ganhar o seu sustento.[16]
Destacamos com isso que os reformadores não incentivavam uma vida ociosa e improdutiva, mas estavam interessados em oferecer condições para que os cidadãos desenvolvessem as suas atividades e delas tirassem o seu sustento, e assim viverem com dignidade.
Os reformadores incentivaram os cidadãos a desenvolverem as suas próprias atividades, e trabalhos livres. Segundo alguns; Lutero ao ser perguntado por um sapateiro novo convertido sobre o que devia fazer, disse: “faça o seu melhor sapato e venda por um preço justo”. Calvino também destacou conceitos como: “Varredor que varres a rua, tu varres o reino de Deus.”
Dessa forma a Reforma trouxe amplos desenvolvimentos em varias áreas sociais, pois, a obra social teve grande destaque durante a reforma protestante, principalmente na cidade de Genebra, para Calvino era inadmissível que uma cidade protestante, ou uma sociedade dita cristã, tenha pessoas em condições deploráveis e até desumanas mendigando pelas ruas. Isso é muito comum hoje em dia em todo ocidente dito cristão.
Os reformadores como afirmamos não apenas se envolveram com a administração da beneficência, contribuíram também com a elaboração de medidas que beneficiasse a sociedade, tendo contato direto com os problemas sociais e econômicos de sua época, apoiando muitas instituições sociais existentes.
Assim para Calvino a comunidade devia redistribuir os recursos dados por Deus, com vistas ao bem-comum, pois, os cristãos são chamados à solidariedade, e não à ganância, avareza e insensibilidade. Entretanto, a beneficência deve ser praticada com espontaneidade e compaixão. Deste modo, ricos e pobres são chamados à comunhão repartindo e recebendo.[17] (Atos 2.42-47; 4.32-35).
Inclusive, as Escrituras falam de forma bastante ampla em atender os órfão e as viúvas, pois, os profetas do Antigo Testamento destacaram que dentre os principais pecados do povo estava o desprezá-los, além disso, Tiago escreveu: “A religião pura e sem mácula, para nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas na suas tribulações, e si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.” (Tg. 1.27).
A reforma estava envolvida com todas as áreas da sociedade, porém, hoje em dia a maioria das pessoas ditas reformadas, e até mesmo os que se denominam apenas de cristão, não fazem nada prático ao beneficio do próximo, pois, cada um corre por causa dos seus próprios interesses. Quando surge nos dias atuais alguém que se preocupa com o próximo, logo se destaca tornando-se um diferencial devido à carência de atitudes que beneficiam os outros hoje em dia.
Em nossos dias muitos se dizem reformados, entretanto, um grande número parece ser apenas reformados nominais ou no mínimo o são apenas de intelecto, pois, esses desenvolvem um melhor relacionamento com os livros do que com as pessoas.
Tomás de Kempis teólogo que viveu um pouco antes da reforma já dizia: “Que te aproveita discorrer profundamente sobre a trindade, se não és humilde e assim desagradas à mesma trindade.” E ainda afirmava: “Por certo, melhor é o camponês humilde que serve a Deus, que o filósofo soberbo que, descuidando a sua alma, observa o curso dos astros.” e citando o segundo versículo do décimo capitulo da primeira carta do apostolo Paulo aos coríntios diz: “se eu soubesse tudo quanto há no mundo e não tivesse caridade, de que me serviria isso perante Deus, que me há de julgar segundo minha obra?”[18]
Enquanto, hoje há uma banalização e desvalorização do ser humano, e muitos vivem em função de seu egoísmo, individualismo e consumismo, onde o interesse pelas pessoas é não tem profundidade, (os relacionamentos, são ora interesseiros, ora superficiais). As pessoas em alguns casos chegam a se tornar meros números nas estatísticas eclesiásticas. Os reformadores demonstraram muito interesse pelo bem das pessoas, ao ponto de haver ofertas nos cultos destinadas aos pobres, como afirmamos, e isso pode ser visto em muitas liturgias da época.
Podemos dizer que: Ser protestante não é simplesmente discordar por discordar, mas olhar a vida e o mundo com a ótica das Escrituras, e assim agir de acordo com os ensinamentos de Deus, revelados em sua Santa Palavra.
Quem dera Deus nos desse tempos semelhantes aos da Reforma do séc. XVI, levantando homens realmente reformados que façam a diferença onde se encontrem, homens que não façam distinção entre o rico e o pobre, como afirma Tiago no segundo capitulo de sua carta. E que demonstrem com as suas obras a sua fé como está escrito:
“Se um irmão ou irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só é morta.”(Tg 2.15-17).
Que o Senhor Deus capacite seus verdadeiros servos, como fez nos dias da reforma protestante, para que possa ser dito deles o que ficou registrado no livro de Hebreus: “homens dos quais o mundo não era digno...”(Hb 11.38). E isso único e exclusivamente para glória de DEUS.
[1] Estudos sobre a Ação Social da Igreja, Alderi Souza de Matos.
[2] BIÉLER, André, “O Pensamento Econômico e Social de Calvino”. Casa Editora Presbiteriana: S/C, 1990 p. 226.
[3] Ibid. p. 42-58.
[4] Ibid. p. 67.
[5] Ibid. p. 76-101.
[6] Ibid. p. 101.
[7] João Calvino e a Universidade texto de Augustus Nicodemus Lopes.
[8] NICHOLLS, Robert Hastings. “História da Igreja Cristã”. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992. p. 170.
[9] Ibid.
[10] João Calvino e a Universidade, Augustus Nicodemus Lopes.
[11] BIÉLER, André, “O Pensamento Econômico e Social de Calvino”. Casa Editora Presbiteriana: S/C, 1990. p. 102.
[12] Ibid.
[13] Ibid.
[14] Ibid.
[15] Ibid. p. 105.
[16] Ibid.
[17] Ação Social Cristã: Perspectiva Histórica, texto de Alderi Souza de Matos. Instituto Presbiteriano Mackenzie. São Paulo, 2011.
[18] KEMPIS, Tomás de, “Imitação de Cristo”. Editora Martin Claret: São Paulo, 2001. p. 13,14.
[2] BIÉLER, André, “O Pensamento Econômico e Social de Calvino”. Casa Editora Presbiteriana: S/C, 1990 p. 226.
[3] Ibid. p. 42-58.
[4] Ibid. p. 67.
[5] Ibid. p. 76-101.
[6] Ibid. p. 101.
[7] João Calvino e a Universidade texto de Augustus Nicodemus Lopes.
[8] NICHOLLS, Robert Hastings. “História da Igreja Cristã”. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992. p. 170.
[9] Ibid.
[10] João Calvino e a Universidade, Augustus Nicodemus Lopes.
[11] BIÉLER, André, “O Pensamento Econômico e Social de Calvino”. Casa Editora Presbiteriana: S/C, 1990. p. 102.
[12] Ibid.
[13] Ibid.
[14] Ibid.
[15] Ibid. p. 105.
[16] Ibid.
[17] Ação Social Cristã: Perspectiva Histórica, texto de Alderi Souza de Matos. Instituto Presbiteriano Mackenzie. São Paulo, 2011.
[18] KEMPIS, Tomás de, “Imitação de Cristo”. Editora Martin Claret: São Paulo, 2001. p. 13,14.
O que tem haver esse pardal ai?
ResponderExcluirDeixando brincadeiras à parte. Seu texto é digno de nota. É desafiador olhar para o progresso na Genebra Calvinista. Que nós reformados não apenas fiquemos no passado admirando o que os Reformadores fizeram, mas que isso nos leve a agir no presente na busca de uma sociedade cristã.
ResponderExcluirAbraços
Meu irmão!!!!
ResponderExcluirÉ uma bênção esse blog, que Deus continue te abênçoando e que as pessoas se sintam tocadas a viver o verdadeiro cristianismo.
Fica na paz!!
Muito boa a leitura
ResponderExcluirMuito bom conteúdo. Que Deus faça crescer essa ferramenta de informação
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