Capítulo 4*
Cristão chega à porta estreita; pede o cumprimento da
promessa evangélica, bate e é recebido com afabilidade.
Pouco depois chegava Cristão, felizmente, ao pé da suspirada porta
estreita, sobre a qual estava escrito o seguinte dístico: “Bata que eu abro”.
(Mateus 7:7).
Bateu repetidas vezes, dizendo: Ser-me-á permitido entrar agora?
Aquele que está dentro terá vontade de receber-me, a mim, miserável pecador?
Apesar de eu ter sido rebelde, cantarei eternamente os seus louvores nas
alturas.
Por fim veio à porta uma pessoa chamada Boa-Vontade, e perguntou:
Quem és? Donde vens? Que pretendes?
Cristão – Senhor, sou um pecador, cansado e carregado. Venho da
cidade da Destruição, e dirijo-me ao Monte Sião para escapar à ira vindoura.
Disseram-me, honrado homem, que para seguir o meu caminho devia entrar por esta
porta; e desejo saber se dás licença que entre.
Boa-Vontade – Ora essa! Com todo o gosto. - E, dizendo isto,
abriu-lhe a porta.
Quando Cristão ia entrando, Boa-Vontade puxou-o com força para
dentro.
Cristão – Que significa isto?
Boa-Vontade – Há aqui perto um castelo, cujo governador é belzebu,
que juntamente com os seus soldados, está continuamente despedindo setas contra
aqueles que se aproximam desta porta, a fim de os matar antes que entrem.
Cristão – Alegro-me tanto quanto tremo em saber que estive em
tamanho risco.
Boa-Vontade – Agora que já estás livre e sossegado, responde ao
que te pergunto:Quem te mandou para aqui?
Cristão – O senhor Evangelista, que me disse: Vai ali, e bate à
porta; lá ensinar-te-ão o que te convém fazer.
Boa-Vontade – Tens aberta uma porta que ninguém poderá fechar-te.
Cristão – Quão venturoso sou! Começo a colher o fruto da minha
ousadia.
Boa-Vontade – Então, vieste só?
Cristão – Vim; porque nenhum dos meus vizinhos conheceu, como eu,
o perigo em que se achava.
Boa-Vontade – Mas souberam alguns da tua vinda?
Cristão – Primeiro dela souberam minha mulher e meus filhos, que
não queriam deixar-me partir; e às vozes destes acudiram vários vizinhos que
também em altos gritos me chamavam; mas eu tapei os ouvidos e segui o meu
caminho.
Boa-Vontade – E ninguém te seguiu para te aconselhar a voltares
para casa?
Cristão – Seguiram-me Obstinado e Flexível, mas quando se
convenceram da inutilidade dos seus esforços, deixaram-me – o primeiro,
cobrindo-me de impropérios e o segundo pouco depois.
Boa-Vontade – E por que não veio esse contigo?
Cristão – Quando chegamos ao Pântano da Desconfiança, caímos ambos
no lodo, e foi tal o susto do meu vizinho que não se atreveu a expor-se a
outros perigos. Saiu da lagoa pela banda que ficava mais próxima de sua casa,
dizendo-me que me deixava a posse plena do bendito país. Depois seguiu nas
pisadas de Obstinado e eu continuei o meu caminho na direção desta porta.
Boa-Vontade – Quão desgraçado é este teu vizinho! A glória celestial
tem para ele tão diminuto valor que lhe parece não valer a pena arriscar-se a
alguns perigos para a alcançar.
Cristão – Senhor, é verdade quanto eu disse de Flexível; mas se
compararmos o seu procedimento com o meu... não sei qual deles será o pior. Eu
também me apartei deste caminho para seguir o da morte, porque dei ouvidos aos
argumentos carnais dum sujeito chamado Sábio-Segundo-o-Mundo.
Cristão – Segui-o, enquanto tive forças. Ia em busca do tal senhor
Legalidade; mas quando cheguei ao pé da montanha que fica próxima de sua casa,
tive medo de que ela desabasse sobre mim e detive-me.
Boa-Vontade – Ah! É incalculável o número de mortes que essa
montanha tem à sua conta! E quantas causará ela ainda! Feliz és tu, que
escapaste de ser esmagado por ela.
Cristão – Verdade, verdade, quem sabe o que teria sido de mim, se
naquele momento de incerteza e receio, não me tivesse aparecido Evangelista. Se
não fora ele, nunca aqui eu teria chegado. Mas, por felicidade, aqui me acho
tal qual sou, e certamente mais digno de ter sido esmagado pela montanha do que
estar falando contigo. Grande favor me fizeste em abrir a porta, depois de tudo
quanto te hei contado.
Boa-Vontade – A ninguém levantamos dificuldades, qualquer que
tenha sido a sua vida anterior. A ninguém lançamos fora (João 6:37). Vou dar-te
alguns esclarecimentos acerca do caminho que hás de seguir. Olha lá para
diante. Vês um caminho estreito? É por ali que deves ir. Por ele passaram os
Patriarcas, os Profetas, Cristo e os Apóstolos: é um caminho tão direito como
uma linha reta.
Cristão – Então não tem voltas e desvios por onde se perca um
forasteiro?
Boa-Vontade – Sim, tem muitas encruzilhadas, e muitos atalhos
bastante largos; mas a regra para distinguir o verdadeiro caminho é esta:
sempre reto e estreito (Mateus 7:14).
Segundo observei no meu sonho, perguntou-lhe depois:
Cristão – Não poderei ser aliviado do peso deste fardo que trago
às costas? Se alguém não me ajuda, não me será possível ir adiante.
Boa-Vontade – Não desanimes. Continua a levar o teu fardo
alegremente, até chegares ao lugar em que hás de ver-te livre dele, pois que
por si mesmo te cairá dos ombros.
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*Continuação da leitura do livro "O Peregrino" para a turma da "Sala de Estudos"
Continuação... Capítulo 5
Continuação... Capítulo 5
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