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terça-feira, 9 de abril de 2024

RECORDAÇÕES PESSOAIS

Quando eu nasci no dia 05 de Outubro de 1979 me deram o nome de Ivanildo "só ares dos anjos", fruto da relação de dona Maria J. Soares e Luiz H. dos Anjos.

Aos 5 anos de idade perdi meu pai biológico em um acidente (virada de caminhão). Só tenho duas memórias dele: A primeira que ele me levou a um jogo de futebol, ao me sentar à beira do campo entrou para jogar, aquele momento que eu via a poeira e tive medo por não conseguir visualizá-lo, fiquei quieto esperando sua volta.

A outra memória foi a minha mãe chegando na escola para me buscar e levar ao velório, ele estava lá deitado imóvel em uma caixa de madeira, todos em volta chorando, eu não entendia o que significava aquilo, só observava nos braços da minha mãe até o momento que foram fechar aquela caixa. Não entendi o porquê, só tive medo de chorei.

Tive medo outra vez quando minha mãe demorou me buscar na escola, todos já tinham ido embora, fiquei lá sozinho apenas com a mulher da limpeza que repetia: "sua mãe vai vim não chore."

Não sei quanto tempo durou aqueles dias, até meu pai de criação aparecer em nossa vida como um anjo enviado por Deus. No primeiro dia dos pais.


Morávamos em um ambiente e condições bem difíceis. Lembro o dia que Sr. Biu chegou como um resgatador, trazendo alguma ajuda de alimento. Um homem calmo no semblante e nas palavras. Observando as condições que minha mãe estava vivendo com duas crianças, eu com 5 anos e minha irmã com 3.

Só me recordo que em seguida estávamos em sua casa e quando ele falou comigo: "Olhe, eu, sua mãe e vocês dois vamos viver juntos aqui, serei seu amigo, e seu pai se você quiser, tá bom?" Eu só olhei pra ele, não lembro de ter falado nada, talvez tenha balançando a cabeça afirmativamente, mas eu estava me sentindo feliz, ali parecia um lugar melhor e mais seguro pra gente.

Ele começou nos levar para igreja, onde fomos todos bem acolhidos com muito amor, todos nos davam atenção. Me recordo de Sr. Biu segurando em minhas mãos a caminho da igreja, ele era um homem alto e tinha mãos grandes, eu achava a situação engraçada.

Ao chegar na igreja sempre tinha alguns irmãos idosos, especialmente em uma reunião de oração que havia todos dos dias logo pela manhã. Eles olhavam para mim, falavam sempre alguma coisa que eu não lembro, eram sempre gentis e sorridentes. Mas me recordo da fisionomia de cada um deles e do jeito, pois eu associava eles a um desenho animado que existia na época (Os Thundercats). Mesmo nas manhãs mais frias o clima da igreja era quente e aconchegante.

E assim chegou o primeiro "dia dos pais". Recebi uma lembrancinha na escola e outra na igreja. Era uma camisa de papel e uma gravata. Ao receber a primeira, fiquei sem saber o que fazer, pensei: "Será que posso dar a ele? Mas, ele não é meu pai de verdade, o que eu faço com isso?". Eu tinha vontade de dar aquela lembrancinha a ele, mas sentia uma mistura de tristeza, saudade e de um lugar vazio. E ao mesmo tempo me sentia aliviado e feliz porque tinha para quem entregar aquela lembrancinha, mesmo que tudo ainda estivesse confuso na minha cabeça.

Ao chegar em casa não hesitei, entreguei nas mãos dele como se fosse uma missão dada e cumprida. Recebi um sorriso e um abraço em troca, ele ficou emocionado com aquilo e eu fiquei feliz.

Eu era um menino muito calado em casa, na escola e na igreja.

Em casa: Passava o dia desenhando, ou fazendo e repetindo as tarefas da escola, às vezes cobria o mesmo desenho dos dois lados do papel. Carros eram os meus desenhos preferidos. Quando não estava desenhando ou tentando ler, eu montava pequenas cidades ou vilas, uma na sala, outra na cozinha, e assim passava o todo indo de uma cidade a outra, imaginando as coisas, inclusive os perigos do caminho por causa dos índios.

Na escola: Eu preferia ficar na sala fazendo companhia a professora, na hora do recreio, as vezes tentando ler, desenhando ou simplesmente batendo com o lápis no caderno. A professora dizia: "meu filho, vai brincar um pouco" eu respondia: "não professora, eu estou bem aqui." Com insistência dela, eu ia até porta da sala. Não entendia porque todos corriam sem direção e gritando, parecendo que estavam loucos, ficava aguardando a Cirene tocar, para aquela loucura se acalmar do mesmo jeito que começou. Assim eram aqueles momentos até o dia que eu descobri o caminho da biblioteca, e fui informado que podia pegar livros para ler ali ou levar para casa. Dessa forma, o problema do meu recreio foi resolvido até a juventude.

Na igreja: Eu prestava bastante atenção às lições, gostava de ver os cartazes ou as figuras no flanelógrafo. Quase sempre tinha perguntas, no meio ou no final das lições. Quando ninguém respondia, às vezes eu sabia a resposta, mas ficava calado até a professora me intimar a responder. E terminava tudo com uma oração, nesse momento às vezes pediu para alguém orar, eu ficava em meu pensamento pedindo a Deus que não fosse eu o escolhido daquele dia: "Eu não Senhor, eu não."

Tinha duas professoras na igreja, Socorro e a Profa. Lígia Prado (in memorian). Eu gostava de mostrar meus desenhos, especialmente a D. Lígia, sempre atenciosa e gentil me incentivava desenhar, gostava da voz calma e pausada dela e dos seus comentários sobre o desenho: "parabéns, muito bem, que lindo, está muito bonito". Ela sempre me dava papel e lápis dizendo: "faça um desenho bem bonito durante a semana e traga que eu quero ver."




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